domingo, outubro 22, 2006

BLOGOSFERA (de "opequenomundo.blogspot.com")

CARTA PARA UMA MÃE



MÃE Sabes, Mãe, eu estou no Céu. O meu anjo da guarda estava a chorar olhando

para o meu corpinho partido, e, com um amor infinito, trouxe a minha pequena alma

para a mão de Deus. Sabes, Mãe, Deus reúne na sua mão os mais abandonados, os mais

humildes, os mais desprezados. E nós, aqueles a quem nem sequer deixaram viver, nós

estamos na mão direita de Deus, junto ao Seu coração. Naquele dia em que foste àquela clínica,

Mãe, o meu coração parou. E eu estava tão ligado a ti, Mãe. Eu era pequenino, era muito

pequenino, mas sentia perfeitamente como é que tu estavas. O meu coração batia apressado

quando tu te assustavas, Mãe, e eu ficava tão feliz quando estavas alegre. Como eu gritei, Mãe,

quando me arrancaram de dentro de ti. Quanto eu gritava na minha alma, ó Mãe, quanto eu

suplicava. Tu não me ouviste, mas dentro da minha alma eu estava a gritar - Mãe! Mãe!

O meu coração ainda batia quando me mandaram para dentro daquele balde ensanguentado.

E o meu pequeno corpo, com as pernas partidas, lá ficou a arrefecer. Doeu-me tanto, Mãe, o

que me fizeram naquela clínica. Deus tinha-me criado com tanto amor, Mãe, igualzinho a ti, e

deitaram-me para aquele balde. E eu era tão precioso aos olhos de Deus, minha Mãe. Deus

criou-me para alegrar a tua vida, para te amar muito, para brincarmos os dois, para passeares

comigo, para me abraçares. Teríamos sido tão felizes, Mãe. Mas nunca te pude abraçar. E tanto

que eu queria estar ao teu colo e ser beijado por ti. Porque eu sou verdadeiramente o teu filho,

e tu foste e serás sempre a minha Mãe para a eternidade. Aquelas minhas pequenas mãos -

ainda não chegava a três meses, Mãe, mas as minhas mãos já eram perfeitinhas- já tinham

todas as impressões digitais que me iriam acompanhar para a vida, eu era igual a ti. O nariz, as

mãos, os olhos - os olhos, Mãe, eram iguaizinhos aos teus. Eu sei, Mãe, eu sei que te lembras de

tudo como se fosse hoje. Ficas às vezes a pensar como seriam os meus caracóis, como seria o

meu sorriso, perguntas-te se aquela vozinha de bebé que tu ouves seria parecida com a minha

e sentes, ó Mãe, sentes falta de me ter ao colo e de ver os meus pequenos bracinhos a

esticarem-se para ti.Às vezes vejo como estás sozinha e vejo-te a chorar de noite. Vejo-te

sozinha, Mãe, a chorar de noite e a chamar-me pelo meu nome, o nome que tu me deste em

segredo, sem que ninguém soubesse. Que ternura, Mãe, quando me deste um nome. Foi tão

doce ser chamado pelo meu nome, Mãe, gosto tanto do nome que me deste. Vejo-te chorar,

tens no coração essa ferida que nada sara, tens no coração essa dor que volta sempre,

ó Mãe. Mas o nosso Deus, Mãe, aquele Deus que te criou a ti e que me criou a mim, é um

Deus que repousa no coração dos que choram. Eu gostarei sempre de ti, querida Mãe.

Não chores mais, que eu estou a rezar por ti.

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